Não é permitido ao síndico ou a assembleia deliberar em detrimento ao direito de propriedade.
A convivência com animais em condomínios é uma das grandes causas de discórdias e brigas entre síndicos e moradores. Ter um bicho de estimação dentro de uma unidade é exercício do direito de propriedade garantido pelo artigo 1.228 do Código Civil, e a restrição pela administração condominial pode resultar em medidas judiciais.
Assim, algumas limitações, como obrigar os moradores que possuem um animal de estimação a circular exclusivamente com o mesmo somente no colo, podem ser entendidas como constrangimento, ato ilegal com punições previstas no artigo 146 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”.
Essa situação foi motivo, por exemplo, para um grupo de condôminos ingressarem com uma ação judicial contra um conjunto residencial localizado em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo . No local, eles eram obrigados a descer com seus cães pela escada (os prédios não têm elevadores) e cruzar mais de 100 metros internamente, da última torre do condomínio até a rua externa, com seus animais de estimação no colo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que a medida tomada pelo condomínio pode inviabilizar a posse e manutenção de cães de estimação, consideradas as particularidades de alguns condôminos. A engenharia física do local, com prédios sem elevadores e alguns edifícios distantes da portaria, também foi considerada inadequada para esse tipo de exigência. Dessa forma, a Justiça decidiu que o condomínio deve permitir que os moradores passeiem com seus animais no chão, com guia ou trela, sem que sejam obrigados a transportá-los no colo.
O limite ao exercício do direito de propriedade é o respeito ao direito alheio e ao direito de vizinhança. Ou seja, a manutenção do animal no condomínio só pode ser questionada quando existir perigo à saúde, segurança, ou perturbação ao sossego dos demais residentes do condomínio. Conforme estabelece o artigo 1.336 do Código Civil, são deveres do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
As normas precisam ser criadas com o objetivo de proibir que os animais circulem em áreas comuns, como os parquinhos e halls, mas não que sejam impedidos de serem transportados no chão de suas residências até a rua. Assim, o condomínio por meio da sua convenção, Regimento Interno ou assembleia pode e deve regular o trânsito de animais, desde que não contrarie o que é estabelecido por lei.
São consideradas normas aplicáveis e que não confrontam com o direito de propriedade:
– Exigir que os animais transitem pelos elevadores de serviços, no interior do prédio somente pelas áreas de serviço, sem que possa andar livremente no prédio;
– Proibir que circule em áreas comuns livremente, tais como piscina, playground, salão de festas;
– Exigir a carteira de vacinação para comprovar que o animal goza de boa saúde;
– Circular dentro do prédio somente com a coleira;
– Impor o uso de focinheira para as raças previstas em lei.
Pode ser anulada na Justiça a decisão de assembleia que vise proibir a manutenção de animais, ou restrinja a circulação destes animais no colo ou com focinheira (salvo raças descritas em lei) nas dependências do condomínio. E exigir que o animal seja transportado apenas no colo, de focinheira, pode levar o condômino a situação vexatória, o que é punido pelo Código Penal, conforme explicado anteriormente. A circulação de animais com focinheira no Estado de São Paulo é regulada pela Lei nº 11.531/03, restringindo-se as seguintes raças “pit bull”, “rottweiller” e “mastim napolitano”.
Imagine, por exemplo, uma senhora com 80 anos e limitação de locomoção sendo obrigada a conduzir seu cão somente no colo. Nesse caso, o condômino deve ingressar com ação cível na Justiça, com o objetivo garantir seu direito de circular com seu animal, com guia, de forma respeitosa, no trânsito de sua unidade até a rua, sem que para isso seja obrigado a passar por qualquer situação humilhante.
Assim, não é permitido ao síndico ou a assembleia deliberar em detrimento ao direito de propriedade. Comparativamente, seria o mesmo caso que a assembleia limitar o tamanho do automóvel que pode ser estacionado na garagem ou o número de moradores residentes em uma mesma unidade. Em ambos os casos, seja automóveis, número de moradores, ou animais o que deve ser considerado é se o uso da propriedade é nocivo, causa transtorno aos demais, infringe o direito de propriedade, caso contrário seria apenas o exercício regular do direito de propriedade.
Um cão pequeno que fique latindo de forma intermitente pode perturbar o sossego dos vizinhos, uma única pessoa em uma residência tocando bateria também pode trazer transtornos. Nestes casos as limitações são legítimas e passíveis de advertência ou multa e, em situações extremas, o Judiciário tem entendido a limitação do uso da propriedade. Porém, definir o número de habitantes, o tamanho dos animais, ou do automóvel significa infringir o direito de propriedade. O que deve ser limitada é a perturbação ao sossego, prejuízo à saúde e segurança dos moradores, que pode ocorrer independentemente da situação fática.
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